Não é de hoje que vemos e ouvimos histórias vinculadas na impressa sobre assassinos que supostamente foram influenciados pelos jogos de videogames. Recentemente a temática retornou a mídia após a chacina ocorrida em São Paulo, cujo maior suspeito apontado pela polícia, o garoto de 13 anos que é acusado de ter matado os pais e outros dois membros da família e depois se suicidou, era jogador de games e tinha como seu avatar em uma rede social um personagem do Game Assassin’s Creed.
Em matéria escrita em um determinado site de notícias brasileiro, o jogo teria influenciado o jovem a cometer os assassinatos. Mas o tema visto superficialmente e sem nenhuma análise comportamental, de lócus ou habittus primário deste e de outros personagens de crimes trágicos levam os mais maleáveis a acreditar em qualquer culpado. E convenhamos o melhor culpado seria aquele que não se mensura.

‘Matei pq joguei” – Imagens do Tumblr criado para expressar o preconceito das mídias com os jogos eletrônicos.
Ora a prática de entretenimento, do lúdico, não é algo novo, assim como os brinquedos e as brincadeiras. Há tempos atrás tínhamos as pipas, os carrinhos, as bonecas, mas também os estilingues, as espadas e as arminhas de brinquedo. Hoje temos jogos de tabuleiros, videogames de ação, estratégia; temos acesso a internet e infinitas variedades de entretenimento digital e interativo. Ação, Bullying, violência e influências têm em todo lugar, em qualquer instante e a qualquer hora, não é por causa da prática de se jogar videogames que os nossos jovens se tornarão ou terão predisposição para crimes violentos. Mas, se supostamente esse fosse o motivo/influenciador para as violências juvenis atuais, não haveria crimes antes da invenção desse entretenimento (analisando pela “lógica” dos críticos de videogames).
Como entusiastas das novas tecnologias, das habilidades dos nativos digitais no nosso atual contexto, e estudiosos, curiosos e/ou cientistas da educação, precisamos nos abastecer de informações e estudos sério, para assim formar nossa opinião sobre o assunto, pois é realmente ridículo o bombardeio da mídia sobre os games, internet, entre outros, no que se refere à influência no comportamento das nossas crianças e adolescentes.
Poderíamos enumerar diversos argumentos que iriam confrontar com os argumentos da mídia marrom que mal sabe diferenciar o Mario do Luigi, Link de Zelda, Ezyo de Altair, quanto mais se aprofundar no campo do desenvolvimento das inteligências múltiplas atreladas ao hábito de se jogar videogames ou cultivar a cibercultura. Entretanto, é preferível deixar a provocação para os teóricos com mais envergadura.
Vejamos as provocações:
“A educação mais útil para o futuro não está acontecendo na escola. Está acontecendo depois da escola, especialmente em clubes de robótica, na internet como um todo – está acontecendo nos GAMES. Não está num teste (…). Eles [os nativos digitais] procuram o que realmente os excita”*. (Mark Prensky, crítico social).
“Ao contrário da educação adquirida por meio de livros, palestras e aulas, o que acontece em videogames com um número maciço de jogadores on-line é o que chamamos de aprendizado acidental. É aprender a ser – uma consequência natural da adaptação a uma nova cultura – em vez de aprender a respeito de alguma coisa. Enquanto o aprendizado tradicional se baseia na execução de desafios cuidadosamente graduados, o aprendizado acidental depende do fracasso. Ambientes virtuais são plataformas seguras para tentativas e erro. A chance de fracasso é alta, mas o custo é baixo e as lições aprendidas são imediatas”*. (John Seely Brown, diretor emérito do Xeroc Park e professor da Universidade do Sul da Califórnia)
“Veja o que é necessário para que uma guilda realize um ataque no World of Warcraft: exige uma quantidade imensa de coordenação, gestão de dados e estratégia.”* (Jerry Michalski)
“Estamos todos lamentando o declínio da chamada interação social. Mas os jovens estão crescendo com habilidades sociais muito profundas.” * (Jerry Michalski)
“(…) Os Nativos Digitais têm criado mundos virtuais inteiros online. Word of Warcraft, EverQuest, Second Life, Active Worlds, Entropia Universe – são todos ambientes computacionais que abrigam simultaneamente milhares de Nativos digitais (…). Esses Massively Multiplayer Online Games se estendem desde Crazyracing Kartrider, um jogo sul-coreano em que jogadores competem um com o outro em corridas de carro, até jogos em que você mata pessoas (“killing games”), e até ferramentas de simulação sérias, do mundo real, destinadas a treinar profissionais. De certa maneira, você poderia pensar neles como “jogos”, mas se parasse aí perderia o principal. São mundos inteiros em que grande parte do conteúdo e grande parte da experiência é criada, não por aquele que criou o jogo, mas pelos usuários. (…) [Os usuários] são criativos, colaborativos e interessados na autoexpressão. (…). Embora a percentagem de jovens que estão nos mundos virtuais seja modesta, a criatividade demonstrada por aqueles que lá estão é incrível – e inspiradora.” ** (John Palfrey, Professor na Havard Law School e escritor; e Urs Gasser, Professor na University of St. Gallen e escritor).
“Eles [os nativos digitais] estariam se saindo melhor se o sistema educacional mudasse e adotasse o modelo pelo qual eles aprendem, pensam e processam informação (…), mas o sistema educacional está atolado na velha estrutura de aulas expositivas. Acho que se obtiver as ferramentas para lidar com a sobrecarga de informações disponíveis hoje, a Geração internet poderá se tornar a mais inteligente de todos os tempos. Alguns de seus integrantes já estão entrando na idade adulta com as habilidades intelectuais para lidar com as exigências e oportunidades geradas pela internet. Será que a geração como um todo está preparada? Claro que não. Mas não devemos pôr a culpa na tecnologia”. (Don Tapscott, Presidente da empresa nGenera Innovation Network, professor adjunto de administração na Universidade de Toronto e escritor).
Diante das provocações de diversos autores e especialistas do fenômeno dos nativos digitais podemos iniciar nossas reflexões. Mas, se mesmo assim não houve curiosidade sobre o assunto, é necessário então intensificar os estudos. Desta forma, aos interessados, eis uma lista de autores, documentos e/ou obras que abordam a temática dos Games, internet e novas tecnologias no desenvolvimento saudável, sóbrio e edificante das novas gerações:
AUTORES
Don Tapscott, John Palfrey e Urs Gasser, Vani Moreira Kenski, Pierre Lévy, Nelson Pretto, André Lemos, Marc Prensky, João Mattar…
OBRAS
ALVES, Lynn. Nativos digitais: games, comunidades e aprendizagens. In: MORAES, Ubirajara Carnevale de. (Org.). Tecnologia educacional e aprendizagem: o uso dos recursos digitais. São Paulo, Livro Pronto, v., p. 233-251, 2007.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: O novo ritmo da Informação. Campinas, SP: Papirus, 2007.
MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. 1 ed.São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.
MCLUHAN, Marshall. Os Meios de comunicação como extensão do homem. Estados Unidos: McGraw- Hill Book Company, 1964.
MORAN, José Manuel. Internet no ensino. Comunicação & Educação. V (14): Jan/abr. 1999a.
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
OLIVEIRA, Sidnei. Geração Y: O Nascimento de uma nova versão de líderes. São Paulo: Integrare Editora, 2010.
PALFREY, John; GASSER, Urs. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração dos nativos digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011.
PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
PRENSKY, Marc. Não me atrapalhe, mãe – Eu estou aprendendo! São Paulo: Phorte,2010.
RUSHKOFF, D. Um Jogo chamado Futuro: como a Cultura dos Garotos pode nos Ensinar a Sobreviver na Era do Caos. Rio de Janeiro: Revam, 1999.
SIQUEIRA, E. Para compreender o mundo digital. São Paulo: Globo, 2008.
STAA, Betina Von. Eles sabem (quase) tudo – O que ainda é preciso ensinar e o que se pode aprender com nativos digitais.
TAKAHASHI, T. (org.). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.
TAPSCOTT, D. A hora da Geração Digital: Como os jovens que cresceram usando a internet estão mudando tudo, das empresas aos governos. Rio de Janeiro: Agir Negócios, 2010.
TAPSCOTT, D. Geração Digital: a Crescente e Irreversível Ascensão da Geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999.
TURKLE, Sherry. A vida no ecrã: a identidade na era da internet. Lisboa: Relógio D´Água, 1997.
VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.
ARTIGOS NA WEB
ALMEIDA, Rubens Q. O Ensino Aprendizagem em tempos de Internet.
BARROS, R. Frizero. Os Nativos Digitais e nós, os Imigrantes Digitais.
Características e perspectivas de uma juventude que conhece a internet desde a infância.
CARUSO, Fabiano. Tecnologia da Informação, Microgerenciamento e os Nativos .
ERIGLEIDSON, José. Nativos Digitais.
FANTIN, Monica. Os meninos da web: os pré-adolescentes e a Internet. uma pesquisa.
Gil, G. (2004). Cultura digital e desenvolvimento. Aula Magna na Universidade de São Paulo.
MACEDO, Thiago V. R. & LIMOEIRO, Vinícius C. Nativos digitais: os consumidores do futuro.
MONTEIRO, Elis. Nativos digitais já estão dominando o mundo e transformando a forma como o ser humano se comunica.
Mundo do Marketing. Pesquisa mostra a relação da Geração Z com a internet.
RIBEIRO, Antônio Mendes. Nativos versus Imigrantes Digitais.
SEIXAS, Cléber Sérgio de. Observadores Sociais. A Geração Z e a Tecnologia.
SILVA, Fábio Melo, Videogames estimulam ações rápidas. São Paulo, 2010.
SOUZA, Emerson Carvalho de. Geração Digital: relatório de Leitura.
TOFANI, Felipe. 12 Características dos Nativos Digitais.
Você S/A. Entendo as Gerações X e Y.
PERIÓDICOS
ALVES, Lynn. Conhecimento e internet: uma construção possível? Revista de Educação da Faculdade de Educação, Salvador, FEBA, v. 1, n. 1. p.91-108, 2000.
ALVES, Lynn. Jogos eletrônicos e nativos digitais: possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem. In: Encontro Internacional Rio Mídia, 1. Rio de Janeiro, out., 2006. Cadernos Rio Mídia, 1.
ALVES, Lynn. Nativos digitais: games, comunidades e aprendizagens. In: MORAES, Ubirajara Carnevale de. (Org.). Tecnologia educacional e aprendizagem: o uso dos recursos digitais. São Paulo, Livro Pronto, v., p. 233-251, 2007.
ALVES, Lynn; HETKOWSKI, Tânia Maria. Gamers brasileiros: quem são e como jogam? Desenvolvimento sustentável e tecnologia da informação e comunicação, Salvador: Edufba, v. 1, n. 1,. p-161-174, 2007. p. 7. 6 Id. ibid., p. 7.
CERETTA, Simone Beatriz, FROEMMING, Lurdes Marlene. Geração Z: Compreendendo os hábitos de consumo da geração emergente. Revista Eletrônica do Mestrado Profissional em Administração da Universidade Potiguar – RAUnP. Natal: UnP, 2011.
PRENSKY, M. Escute os nativos. Liderança educacional, v. 63, n. 4, p. 8-13, dez. 2005.
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E pais, verifiquem a classificação indicativa nos games de seus filhos, busquem conversar com eles sobre o que eles vêem na internet, com quem conversam, como conversam. Não excluam os debates sobre pornografia, violência, e outros assuntos delicados, nas conversas com seus filhos, estes assuntos poderiam oferecer uma ótima oportunidade para que haja diálogo, compartilhamento de valores e instituição de relacionamentos abertos, pois os filhos precisam de algo a mais, como valores e um bom relacionamento com os pais. Acompanhem-nos. Lembrando que “é preciso agir de forma pró-ativa e tomar cuidados em casa e na escola.” (Don Tapscott)
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REFERÊNCIAS
* TAPSCOTT, D. A hora da Geração Digital: Como os jovens que cresceram usando a internet estão mudando tudo, das empresas aos governos. Rio de Janeiro: Agir Negócios, 2010.
** PALFREY, John; GASSER, Urs. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração dos nativos digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011.